O Plenário do Senado aprovou em 31.03.2021 o Projeto de Lei que proíbe a arquitetura hostil ao livre trânsito da população de rua nos espaços de uso público.

A técnica é caracterizada pela instalação de equipamentos urbanos como pinos metálicos pontudos e cilindros de concreto nas calçadas para afastar pessoas que estão em situação de rua.

 

Proposto pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES), o Projeto de Lei (PL) nº 488/2021 altera o Estatuto da Cidade, Lei 10.257, de 2001. O projeto e as emendas, nos termos do parecer do relator, senador Paulo Paim (PT-RS), foram aprovados em turno único.

O PL nº 488/2021 será encaminhado à análise pela Câmara dos Deputados.

Justificativa do projeto

O projeto foi apresentado após o padre Júlio Lancellotti – conhecido por suas ações de acolhimento às pessoas em situação de rua em São Paulo – usar marreta para remover pedras pontiagudas instaladas pela prefeitura sob um viaduto.

O protesto do religioso teve grande repercussão e apoio social. Por isso, a lei a ser originada do projeto aprovado pelo Senado será denominada “Lei Padre Júlio Lancelotti”.

O senador Contarato afirma que o episódio em São Paulo não é fato isolado. Muitas cidades brasileiras têm incentivado a chamada “arquitetura defensiva” em função da especulação imobiliária de determinadas regiões. Outros exemplos dessa arquitetura incluem bancos sem encosto, ondulados ou com divisórias, cercas eletrificadas, muros com cacos de vidro, pedras ásperas e pontiagudas.

“A ideia por trás dessa lógica neoliberal é a de que a remoção do público indesejado em determinada localidade resulta na valorização de seu entorno e, consequentemente, no aumento do valor de mercado dos empreendimentos que ali se localizam, gerando mais lucro a seus investidores”, destacou Contarato.

O senador Paim observou em seu relatório que a situação é agravada pela pandemia da covid-19, pois a doença atinge mais fortemente a população de rua, sem abrigo e água para se proteger do vírus. Em vez de ser expulsa, essa população deveria ser acolhida.

O único voto contrário foi do senador Carlos Viana (PSD-MG). Ele justificou que, apesar de aplaudir as ações do padre Júlio Lancelotti, a proposta cria situações que podem “limitar o poder decisório dos gestores municipais”. Viana entende que o termo “arquitetura hostil” pode causar dúvidas e imprecisão, sendo necessário discutir a matéria com associações de prefeitos, gestores municipais e o Ministério Público.

Em resposta, o senador Contarato ressaltou que o termo “arquitetura hostil” é embasado por arquitetos e instituições relacionadas à área. Ele também citou o artigo 182 da Constituição, o qual orienta que a política de desenvolvimento urbano é executada pelo poder público municipal a partir das diretrizes gerais fixadas em lei pela União.

O pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade dever garantir o bem-estar dos seus habitantes. Logo, deve prevalecer o interesse da cidade como um todo e isso precisa ser respeitado pelo gestor municipal.

Contarato justificou que não defende fixar moradores de rua nos espaços públicos. Contudo, o impedimento à sua circulação por meio da arquitetura hostil é inaceitável, pois agrava o problema social:

“Não bastassem a invisibilidade e as mazelas sofridas pelas pessoas em situação de rua, que hoje totalizam cerca de 222 mil indivíduos no Brasil, o Estado, sob pressão do capital financeiro, tenta removê-los até mesmo de um lugar em que se abrigam da chuva”.

Acessibilidade urbana e redução da marginalidade

A arquitetura urbana, além de não ser hostil, deve promover conforto, abrigo, descanso, bem-estar e acessibilidade na fruição dos espaços livres de uso público, de seu mobiliário e de suas interfaces com os espaços de uso privado.

Conforme o senador Paim, praças, calçadas e parques devem propiciar fruição da paisagem, encontro, lazer e descanso. Esses espaços não deveriam ser apenas passagem entre propriedades privadas. Essa desagradável experiência para o pedestre contribui para agravar os problemas urbanos, induzindo ao maior uso do automóvel.

O resultando é o aumento da poluição, congestionamento de trânsito e espraiamento urbano. Dessa forma, haverá hostilidade e marginalização daqueles sem acesso a habitação regular ou que, momentaneamente, necessitam de acesso ao espaço público para repouso.

Em tese, o desenvolvimento urbano deveria permitir o acesso democrático aos espaços públicos e reduzir a marginalização. Qualquer interesse ou ação contrária deve ser repudiada pelo Estado.

“A raiz do problema está na pobreza, na marginalização e na falta de moradia digna. Tirar pessoas vulneráveis do alcance da vista não resolve tais problemas. Pelo contrário, aprofunda ainda mais a desigualdade urbana”, observou Contarato.


Fonte: Agência Senado, publicado em 31.03.2021, com ajustes.