Gestão do governo é fator essencial para reduzir acidentes e mortes no trânsito. Modelo australiano, referência internacional de segurança viária, foi apresentado em seminário no Brasil.

No 1º Seminário Internacional DETRAN/SP de Segurança Viária, realizado em 18 de setembro de 2012, o palestrante Eric Howard abordou a segurança viária, trazendo sua experiência e prática no mundo, em especial na Austrália.

Howard exerceu por seis anos o comando da VicRoads, a entidade responsável pelo transporte e trânsito no Estado de Vitória, na Austrália.

Durante sua estada em São Paulo houve oportunidade de aprofundar a discussão sobre segurança viária em longas conversas, nas quais ficou evidente o pensamento do consultor internacional e sua forma de enxergar o caminho e agir para a redução de mortes no trânsito.

Foram notáveis os resultados obtidos pela província da Austrália, onde se observou a queda no número absoluto de mortes no trânsito entre os anos de 1970, ano em que morreram 1.100 pessoas, e de 2010, no qual ocorreram 288 fatalidades.

Mesmo com índices positivos, o governo local empreendeu ainda maiores esforços a partir de 2001, como ilustrado ao longo deste texto, à semelhança do “towards zero” em vários países. Em termos relativos, o Estado de Vitória apresenta o índice de 5,2 mortes para cada 100 mil habitantes, enquanto no Brasil este índice é de 22,6, tomando por base as estatísticas de acidente do SUS.

E qual foi (e ainda é) a base do sucesso australiano? A resposta está contida em uma única palavra: gestão! A ação governamental daquele país se fundamentou (e se fundamenta), no conceito de “sistema seguro”, onde a preocupação central é o ser humano e sua tolerância para resistir impactos físicos. Em síntese, a garantia de viagens seguras, depende de condutores seguros, de vias seguras e de veículos seguros.

Naturalmente, que entre especialistas brasileiros esta abordagem não traz novidade, muito menos ainda ao verificar que estes aspectos foram abordados de forma sistemática em Vitória com as ferramentas de engenharia, fiscalização e educação.

Política de estado para segurança viária

O que há de interessante, então, na abordagem australiana? A resposta está na decisão do governo de empreender a política de estado no campo da segurança viária, contínua e permanente, como ficou evidente na palestra e nas conversas com Eric Howard, o que, convém ressaltar, ainda não é percebido no Brasil.

Por meio de sistema de informações sistematizados dos acidentes de trânsito e de suas correlações com as variáveis intervenientes em ocorrências deste tipo, o governo identificou os principais riscos envolvidos nos acidentes: falta do uso do cinto de segurança, uso de álcool e drogas na direção do veículo, excesso de velocidade e insuficiência de treinamento dos condutores.

A partir desta análise, o Estado de Vitória empreendeu o conjunto de ações destinadas a atacar estas questões centrais da acidentalidade no trânsito. A primeira delas foi mudar o velho paradigma dos responsáveis pela gestão do trânsito em depositar a culpa nos usuários da via, introduzindo a nova mentalidade de responsabilidade compartilhada e de reconhecimento dos pontos-chave envolvidos na causa e severidade dos acidentes.

Outra mudança importante foi mudar a forma de se comunicar com a população, empreendendo medidas duras de fiscalização, mas esclarecendo e informando a opinião pública e dando transparência aos dados de acidentes e, especialmente, aos custos decorrentes.

Velocidade limite em vias urbanas

No tocante à velocidade (um dos fatores de maior sucesso da campanha), a ação foi ampliar o número de equipamentos de detecção de velocidade e intensificar o uso de radares, incluindo até o uso o uso de helicópteros para monitoração.

Em 2001, foi lançada a campanha denominada “Wipe off 5”, informando e conscientizando os motoristas de que um excesso de apenas 5 km/h na velocidade limite estabelecida pela sinalização da via já era suficiente para dobrar o risco de acidentes.

O governo estabeleceu a regra geral de velocidade limite de 50 km/h para vias urbanas, mas de no máximo 30 km/h em bairros residenciais e de no máximo 40 km/h em áreas escolares. Um dos slogans da campanha foi “Speed, keep it down”, mostrando o ponteiro do mostrador de velocidade na marca de 50 km/h.

Prevenção ao uso de drogas

No tocante ao uso de álcool e drogas na direção, os veículos foram obrigados a dispor de bloqueio de ignição (bafômetro interno) e foi estabelecida a intensa fiscalização aleatória do uso de álcool e drogas pelos condutores, por meio de testes de saliva.

A Austrália é conhecida dos técnicos brasileiros pela sua forma de comunicação mais direta e incisiva em campanhas educativas de trânsito. Em um dos outdoors da campanha de álcool, a mensagem era “If you drink, then drive, you’re a bloody idiot”.

Formação dos condutores

Outra mudança de grande impacto que exigiu mudança cultural muito grande na população e a ação de comunicação muito bem feita pelo governo foi a alteração radical na formação do condutor. A partir de 2006, o processo de obtenção da licença para dirigir passou a ter a duração de no mínimo quatro anos, podendo chegar a seis anos.

O candidato à licença pode começar seu treinamento com 16 anos de idade, mas só terá uma licença plena aos 22! Até os 18 anos, só pode dirigir supervisionado por um acompanhante e mesmo assim com muitas restrições (potência do veículo, transporte de passageiros, uso de reboque). Dos 18 aos 22 anos de idade, não pode ter nenhuma infração por dirigir alcoolizado.

Na formação, foi dada grande importância à vivência no uso do veículo, passando a carga horária do curso de prática de direção nas ruas para 120 horas-aula.

Recomendações para gestão da segurança viária

Finalizando, Eric Howard ressalta que o que se tem que fazer é “óbvio”, mas “como” fazer é que é fundamental e aponta as seguintes sugestões que foram adotadas na Austrália e que deveriam ser adotadas em qualquer país:

  • Agir com foco nos fatores de risco e em resultados.
  • Integrar as decisões entre governos.
  • Utilizar estratégias de transferência de conhecimento/ações para governo e comunidade.
  • Incentivar a participação de atores influentes.
  • Estabelecer estratégia para buscar doadores e financiamento adequado para os projetos e ações.
  • Estabelecer sistema consistente de organização de dados e informações.

Fonte: Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, Seção Ponto de Vista, publicado em 7/10/2012.

Autor: Luiz Carlos Mantovani Néspoli, superintendente da ANTP