A exposição de trabalhadores ao fósforo branco entre 1850 e 1910, especialmente na Inglaterra e em outros países europeus, é importante tema da saúde ocupacional. Os agravos à saúde desses trabalhadores levaram a grandes movimentos sociais e reformas na legislação trabalhista, obrigando os fabricantes a substituírem as substâncias tóxicas por alternativas mais seguras.

Fósforo branco e riscos à saúde ocupacional

O fósforo branco é sólido, ceroso, branco ou amarelo, com odor semelhante a alho. É produzido a partir das rochas de fosfatos.

É usado pelos militares em vários tipos de munições e fumos para assinalar movimentos de tropas e identificar alvos. Na indústria é utilizado na produção de ácido fosfórico, fertilizantes, materiais de limpeza e aditivos alimentares.

O fósforo branco é altamente tóxico e sua manipulação sem as devidas precauções pode causar sérios problemas de saúde, tais como: queimaduras e irritação, lesões no fígado, rins, coração, pulmões e ossos, e morte.

No Brasil, a norma regulamentadora NR 15 – Atividades e Operações Insalubres, anexo 13, estabelece o pagamento de adicionais de insalubridade para trabalhadores expostos ao fósforo branco nas seguintes condições:

grau máximo (40%): extração e preparação de fósforo branco e seus compostos, fabricação de defensivos fosforados e organofosforados, de projéteis incendiários, explosivos e gases asfixiantes à base de fósforo branco.
grau médio (20%): aplicação de defensivos organofosforados, fabricação de bronze fosforado e de mechas fosforadas para lâmpadas de mineiros.

Fabricação de fósforos (1850 a 1900)

No século XIX, a fabricação de fósforos foi uma indústria importante na Europa. Na Inglaterra, os principais fabricantes eram Bryant & May e Albright and Wilson.

Fundada em 1843 em Londres, Inglaterra, Bryant & May se tornou uma grande indústria baseada no fósforo branco, o que causava graves problemas de saúde dos trabalhadores. A Albright and Wilson, fundada em 1856, com sede em Oldbury, Inglaterra, era uma grande indústria de produtos químicos derivados do fósforo, incluindo o fósforo branco.

Trabalhadores em fábricas de fósforos frequentemente estavam expostos ao fósforo branco. Essa exposição era mais crítica ao preparar a pasta para as cabeças dos fósforos.

No século XIX, as normas de segurança no trabalho eram inexistentes. Trabalhadores manipulavam fósforo sem equipamentos de proteção individual (EPIs) e ventilação adequada.

Na época, as fábricas de fósforos inglesas empregavam predominantemente mulheres devido aos salários mais baixos em relação aos homens. Assim, as indústrias reduziam custos e aumentavam o lucro.

Além disso, as mulheres eram escolhidas por sua habilidade manual no trabalho detalhado e repetitivo na fabricação de fósforos. Sobravam poucas opções de emprego para elas, pois as outras indústrias e profissões eram dominadas por homens.

As mulheres operárias se submetiam ao trabalho degradante pois contribuíam para o sustento de suas famílias, especialmente em áreas urbanas onde a pobreza era comum.

A vulnerabilidade social das trabalhadoras era descrita na imprensa da época como o “círculo especial no Inferno para aqueles que vivem dessa miséria e sugam riqueza da fome de garotas indefesas”, forte crítica às condições insalubres nas fábricas de fósforos.

Os trabalhadores da indústria no século XIX eram considerados “escravos brancos” devido às longas jornadas, com mais de 12 horas diárias, salários muito baixos, mulheres e crianças expostos a riscos em fábricas insalubres.

Agravos à saúde dos trabalhadores

Os trabalhadores mais expostos ao fósforo branco desenvolveram a “fosfonecrose mandibular” (Phossy Jaw), necrose da mandíbula, resultando em abscessos dolorosos, perda de dentes e desfiguração facial do rosto. Os sintomas incluíam inchaço da mandíbula, dor intensa e, eventualmente, a morte do tecido ósseo.

Além da fosfonecrose mandibular, os trabalhadores também sofriam de intoxicação por fósforo, sendo acometidos por náuseas, vômitos, dor abdominal, fraqueza e, em casos extremos, danos aos órgãos internos e morte.

Há diversos filmes e documentários que retratam essas condições dos trabalhadores da indústria de fósforos:

“White Slaves of London” (1927): documentário mudo britânico sobre as condições de trabalho das mulheres na indústria de fósforos e outras indústrias “sweated” (exploradoras) da época.
“The Matchgirls” (1966): adaptação da peça que retrata a greve das trabalhadoras de fósforos da Bryant & May em 1888. O filme destaca as condições de trabalho e a luta das mulheres por melhores direitos.
“The Match Factory Girl” (1990): filme finlandês dirigido por Aki Kaurismäki, conta a história de uma jovem mulher que trabalha em fábrica de fósforos. Apesar da maior ênfase à vida pessoal da personagem, permite vislumbrar as condições das trabalhadoras de fósforos.
“Matchgirls” (2010): documentário baseado na vida das mulheres que trabalharam na indústria de fósforos e suas lutas contra as condições insalubres.
“Enola Holmes 2” (2022): combinando ficção e fatos históricos, aborda a luta das jovens trabalhadoras contra as condições de trabalho perigosas e insalubres, culminando na greve de 1888 na fábrica Bryant & May. A detetive Enola Holmes investiga o desaparecimento de uma jovem trabalhadora, descobrindo a conspiração mais ampla.

Mudanças nas leis e proteção dos trabalhadores

À medida que a saúde dos trabalhadores da indústria se degradava, médicos e defensores dos direitos começaram a documentar e relatar esses problemas associados ao fósforo branco.

Os trabalhadores se organizaram e protestaram. Em 1888, ocorreu a famosa greve na Bryant & May em Londres, chamando a atenção pública sobre as condições deploráveis de trabalho e os efeitos nocivos do fósforo branco.

A enorme repercussão social levou muitos países europeus a legislar contra o uso do fósforo branco e elaborar regulamentos mais rigorosos para a segurança na indústria de fósforos.

Em 1906, a Convenção de Berna proibiu o uso de fósforo branco na fabricação de fósforos em vários países europeus.

Em 1908, contrariando interesses de grandes fabricantes, a Inglaterra aprovou a regulamentação legal The White Phosphorus Matches Prohibition Act, proibindo a importação e fabricação de fósforos com a utilização do tipo branco a partir de 1º de janeiro de 1910,  t.

Gradualmente, o fósforo vermelho começou a substituir o branco. Isso ajudou a reduzir significativamente os riscos para os trabalhadores, pois o fósforo vermelho não é tóxico e não causa fosfonecrose mandibular.

As fábricas pioneiras na utilização de fósforo vermelho eram a Lundström Match Factory, na Suécia, e a A. W. Faber-Castell, na Alemanha.

A Lundström Match Factory foi pioneira na produção de fósforos de segurança com fósforo vermelho em 1844. A Faber-Castell, fundada em 1761, começou a utilizá-lo por volta de 1900.

Lições aprendidas

A conscientização sobre os riscos à saúde decorrentes do fósforo branco nas fábricas da Inglaterra e de outros países europeus marcou o início da higiene ocupacional.

A transição para o fósforo vermelho nas fábricas da Europa decorreu das péssimas condições de trabalho que resultaram em agravos à saúde dos trabalhadores, suscitando a mobilização da sociedade e agentes políticos.

As mudanças regulatórias e a inovação tecnológica contribuíram para melhoria das condições de saúde e segurança no trabalho. Esse episódio demonstra a importância da regulamentação para proteção da saúde dos trabalhadores.


Autor: Editorial Loxxi Engenharia, publicado em 24.06.2024.

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