Artigo discute o vestuário profissional para valorização do trabalhador e da imagem da organização, origem e evolução, aspectos legais e oportunidades de melhoria.
Vestuário Profissional: Valorização do Trabalhador e Ativo da Organização
Rone Antônio de Azevedo, engenheiro civil e de segurança do trabalho, especialista.
AZEVEDO, Rone Antônio de. Vestuário Profissional: Valorização do Trabalhador e Ativo da Organização. Artigo publicado no site Loxxi Engenharia. 06 ago. 2017. Disponível em: <https://loxxi.com.br/artigo-discute-vestuario-profissional-e-valorizacao-da-imagem>.
A preparação às jornadas requer, além dos cuidados com a higiene pessoal, vestuário profissional adequado à atividade do trabalhador, abrangendo roupas, calçados, adornos especiais, equipamentos de proteção, crachás de identificação e outros complementos.
Asseados e bem vestidos, os trabalhadores realizarão atividades produtivas em diferentes setores da economia. Durante sua jornada de trabalho, serão expostos a vários tipos de agentes físicos, biológicos, químicos e condições ergonômicas que podem afetar a sua saúde. E, nos casos mais severos, os trabalhadores terão que utilizar vestimentas de proteção.
Além de proporcionar conforto e proteção, o vestuário profissional deve ser funcional, resistente, ter estilo agradável, compatível às necessidades dos trabalhadores. Esse cuidado com o vestuário deve alcançar a todos os trabalhadores de uma organização, especialmente àqueles em níveis operacionais.
Este artigo objetiva discutir a importância do vestuário profissional como elemento de valorização do trabalhador e diferenciação da imagem das organizações modernas, apresenta sua origem e evolução, aspectos legais, e contribuições a sua melhoria.
O vestuário profissional pode ser classificado, de forma funcional, em três categorias: trajes formais, uniformes, e vestimentas de trabalho.
Trajes formais são vestuários com aspecto mais sóbrio utilizado pelos trabalhadores em empresas corporativas, consultorias, e escritórios de serviços técnicos e administrativos. São adquiridos pelos próprios trabalhadores, proporcionando maior liberdade de escolha de roupas, boa diversidade de tonalidades e combinações de acessórios. Contudo, algumas empresas restringem a utilização de certas peças, tais como: saias muito curtas, bermudas, camisas sem mangas, chinelos, e outros que expõem o corpo humano ou são inconvenientes.
Uniformes são vestuários padronizados visando à maior produtividade, conforto dos trabalhadores e ênfase ao marketing da organização. São confeccionados com materiais resistentes, sendo mais duráveis. Possuem pouca ou nenhuma liberdade de alteração, pois são fornecidos aos trabalhadores pelas próprias empresas. Os uniformes são adotados por muitas categorias profissionais, tais como: operários de fábricas e construção civil, atendentes, militares, médicos e outros técnicos da saúde, pessoal de limpeza, vendedores, entre outros.
Figura 2: Uniformes de garis na varrição de ruas em Campinas / SP (Jornal Correio Popular de Campinas, 2017)
Vestimentas de proteção são utilizadas em situações específicas de maior exposição aos agentes nocivos à saúde, decorrentes da ocupação do trabalhador. Há regulamentos de segurança e saúde do trabalho e acordos coletivos que as tornam obrigatórias em determinadas atividades. Por essa razão, seu uso é controlado e limitado à determinados ambientes da organização. Exemplos: aventais, toucas e luvas para proteção biológica e assepsia de enfermeiros e médicos; roupas térmicas para trabalhadores em frigoríficos, compostas por camadas múltiplas de tecidos especiais.
- Tronco (seção E.1): riscos de origem térmica, mecânica, agentes químicos, radioatividade, precipitação pluviométrica, umidade proveniente de operações com uso de água.
- Corpo inteiro (seção H.2): riscos de origem química, umidade proveniente de precipitação pluviométrica ou operações com água, proteção contra os choques elétricos.
A NR 6 (MTPS, 2017) não define os tipos e características das vestimentas de proteção, sendo necessário recorrer a outras normas técnicas, especificações de fabricantes, e recomendações da literatura técnica. Esse vestuário atenuará os efeitos do calor, frio, umidade, contaminação por microrganismos e substâncias tóxicas, e radioativos.
A exigência de vestimentas adequadas em ambientes de calor ou frio mais intensos também é respaldada pelo art. 177 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT:
Art. 177 – Se as condições de ambiente se tornarem desconfortáveis, em virtude de instalações geradoras de frio ou de calor, será obrigatório o uso de vestimenta adequada para o trabalho em tais condições ou de capelas, anteparos, paredes duplas, isolamento térmico e recursos similares, de forma que os empregados fiquem protegidos contra as radiações térmicas. (BRASIL, CLT, 1943)
Conforme o inciso I do 2º parágrafo do art. 458 da CLT (BRASIL, 1943), o empregador deve fornecer os uniformes e vestimentas de trabalho, sem nenhum ônus aos trabalhadores:
Art. 458 […]§2º Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador: (Redação dada pela Lei nº 10.243, de 19.6.2001)I – vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos aos empregados e utilizados no local de trabalho, para a prestação do serviço; (Incluído pela Lei nº 10.243, de 19.6.2001)(BRASIL, CLT, 1943)
O empregador deverá substituir os uniformes e vestimentas de proteção danificados ou desgastados pelo uso. Os fornecedores devem garantir que as peças sejam confeccionadas em material adequado, visando ao conforto na atividade desenvolvida pelo trabalhador.
As vestimentas devem ser deixadas nos locais de trabalho quando o empregador for responsável pela sua higienização, salvo se as atividades exercidas forem realizadas fora do estabelecimento. Outras condições específicas podem ser previstas em Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho para cada categoria profissional.
Em relação aos trajes formais, algumas empresas possuem um Código de Vestir, traduzido da expressão original em língua inglesa Dress Code, dispondo sobre a aparência pessoal e roupas permitidas ou não no ambiente de trabalho.
A Valorização Social e o Poder Cognitivo do Vestuário
O vestuário profissional suscita discussões quanto a valorização do trabalhador pela sociedade. Trabalhadores bem uniformizados passam a impressão de profissionalismo e competência na execução dos serviços, sentindo-se mais capazes e valorizados pela sociedade. O vestuário contribui para o trabalhador se sentir parte de um segmento especial da sociedade em qualquer atividade.
Estudos denominados Enclothed Cognition, expressão em língua inglesa que significa Cognição Vestida, revelaram que o comportamento das pessoas é afetado pelo fato de vestirem uniformes. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos mostraram que o uniforme pode afetar o comportamento, de forma positiva ou negativa, contribuindo para o comprometimento e a satisfação no trabalho (CÂMARA, 2012).
Adam Galinsky, professor da Escola Kellogg de Administração da Northwestern University, realizou experimentos com alunos avaliando seu nível de atenção antes e após vestirem jalecos brancos idênticos, sendo informados sobre os profissionais que os utilizavam. O grupo que vestiu os jalecos dos médicos alcançou melhores resultados em relação ao grupo dos vestidos com jalecos usados por pintores. Galinsky concluiu que “a roupa afeta a forma como os outros nos veem, bem como a forma como pensamos sobre nós mesmos”. Os resultados dessa pesquisa foram publicados no jornal New York Times (TEMCHINE, 2012).
Uniformes profissionais desgastados deixam o trabalhador com aspecto maltrapilho e comprometem sua dignidade. É comum observar nas ruas, por exemplo, garis com uniformes desbotados ou até rasgados. Pesquisa realizada em 2008 pelo psicólogo social Fernando Braga da Costa revelou a invisibilidade pública dos garis, desprezados como trabalhadores sem importância pela sociedade.
Em contrapartida, há profissionais que se destacam pelo estilo elegante de vestuário. É o caso de militares, aviadores civis, policiais fardados, médicos, chiefs de gastronomia, juízes. Referência de sofisticação, os uniformes militares estão repletos de insígnias, condecorações e adornos especiais. Quanto mais alta a patente, tanto mais sofisticado o vestuário oficial das Forças Armadas, demonstrando a importância do cargo na hierarquia militar. Na área cível, pilotos de avião comercial são notados pelo quepe, paletós com listras douradas nas mangas e o brevet – pequeno broche dourado ou prateado, em forma de asas.
A Figura 4 ilustra o padrão de elegância dos uniformes concebidos pelo estilista Cristian Lacroix para as tripulações da Air France.
Essas categorias aparecem com maior frequência em filmes e na publicidade, cujo vestuário contribui significativamente para influenciar crianças e jovens a buscarem se tornar profissionais nessas mesmas carreiras.
Em contrapartida, os uniformes de trabalho das profissões menos valorizadas pela sociedade são singelos, acabamentos em estampas lisas, e poucos detalhes. Esse estilo de vestuário é utilizado por faxineiros, garis, operadores de máquinas, recepcionistas, operários de fábrica e da construção civil, entre outros.
A Figura 5 ilustra um modelo de uniforme para o pessoal de limpeza e conservação, bastante comum no mercado.

Não se trata de estimular o ódio às categorias que utilizam um vestuário de melhor qualidade ou design mais sofisticado, mas deveria haver maior atenção por parte dos estilistas, empresas e entidades sindicais na adoção de um vestuário mais apresentável para todos os trabalhadores.
Lamentavelmente, o trabalhador, o principal usuário dos uniformes profissionais, raramente é convidado a participar no seu processo de criação. Geralmente, é obrigado a aceitar o estilo, cores e padrões definidos pela organização. Nem sempre o que é bom ou prático para os administradores é o melhor para o trabalhador, resultando na sua insatisfação velada com a falta de opções do uniforme profissional e a impossibilidade de fazer alterações.
A gestão moderna das organizações zela dos ativos, ou seja, bens e direitos que possuem valor econômico e possam ser convertidos em ganhos. O vestuário profissional fornecido por uma organização é um componente desse ativo, tanto pelos custos de aquisição e manutenção quanto pela imagem transmitida.
Há soluções modernas de uniformes confortáveis e elegantes, desenhados com estilo mais agradável e materiais de alta qualidade. O bom design busca compor o vestuário valorizando aspectos como o tipo de serviço na empresa, setor ou áreas, turnos e cargos. Um exemplo de uniforme profissional com design moderno e elegante é mostrando na Figura 6.
Uniformes do tipo macacões de sobrepor com bolsos largos e cintos para ferramentas especialmente concebidos para trabalhadores da construção são mostrados na Figura 7.
Conclusões e Recomendações
O cuidado com o vestuário do trabalhador traz muitos benefícios para ele próprio e para a organização na qual executa as suas atividades. A organização moderna investe na qualidade do vestuário profissional visando a fortalecer a imagem associada à cultura organizacional, aumentar a produtividade, melhorar o conforto e a segurança dos seus trabalhadores. Trata-se de um ativo que não pode ser negligenciado.
O vestuário mais confortável e apresentável tende a aumentar a autoestima e satisfação dos trabalhadores, contribuindo para sua valorização social, independentemente do seu nível hierárquico. Essa percepção se reflete no seu comprometimento, relacionamento com clientes internos e externos, mais atenção, e redução dos acidentes de trabalho.
Até a década de 1950, o uniforme profissional era pouco relevante no Brasil, cultura organizacional modificada a partir da entrada das multinacionais no país. Aos poucos, esse tipo de vestuário passou a ser mais aceito e percebido como elemento de diferenciação.
As organizações deveriam consultar os trabalhadores em relação ao fornecimento de uniformes e vestimentas de proteção, oferecendo alternativas para aumentar sua satisfação, estilo agradável e compatível às atividades executadas. O trabalhador deve fazer parte desse processo não apenas enquanto usuário, mas considerando sua visibilidade social e o poder cognitivo associado ao seu vestuário.
Existe um enorme mercado de vestuário pouco explorado por estilistas brasileiros. Acompanhando as tendências internacionais, o setor da confecção no Brasil poderia promover o lançamento de coleções de vestuário profissional para diferentes segmentos produtivos.
Referências
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, 1943. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm>. Acesso em 29 jul. 2017.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência Social. Norma Regulamentadora NR 6 – Equipamento de Proteção Individual – EPI. Portaria GM nº 3.214, de 08 jun. 1978. Atualizada pela Portaria MTb nº 870, de 06 jul. 2017. Brasília, 2017. Disponível em: <https://trabalho.gov.br/images/Documentos/SST/NR/NR6.pdf> . Acesso em 29 jul. 2017.
CÂMARA, Juliana. Sim, o hábito faz o monge, mostra pesquisa. Jornal O Globo. Seção Sociedade. Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/sim-habito-faz-monge-mostra-pequisa-4488046>. Acesso em 05 ago. 2017.
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MOURA, Louisi Francis et al. A importância das vestimentas para o trabalhador e para a Legislação Brasileira. X Congresso Internacional de Administração. Ponta Grossa, 2010. Disponível em: <https://pg.utfpr.edu.br/dirppg/ppgep/ebook/2010/CONGRESSOS/ADM/9.pdf>. Acesso em 29 jul. 2017.
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TEMCHINE, Michael. Cientistas estudam efeito das roupas para o cérebro. Jornal New York Times. Nova Iorque, 2012. Traduzido para o idioma português no site Último Segundo. Seção Ciência. Publicado em 06 abr. 2012. Disponível em: <https://ultimosegundo.ig.com.br/ciencia/cientistas-estudam-efeito-das-roupas-sobre-funcionamento-do-cere/n1597733743623.html>. Acesso em 06 ago. 2017.