Seminário Incorporação Imobiliária na Perspectiva do STJ propõe soluções extrajudiciais para conflitos e prevenção de litígios.
Muito da excessiva judicialização que afeta o setor da construção civil decorre da falta de mecanismos eficientes de prevenção de litígios, os quais “poderiam ter sido resolvidos antes de ingressar em juízo”. Essa é a análise do ministro Luis Felipe Salomão, coordenador científico do seminário Incorporação Imobiliária na Perspectiva do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), realizado em 21 de junho na sua sede.
O ministro Salomão ressaltou a importância do diálogo entre o Judiciário e o mercado imobiliário para a promoção de soluções adequadas para a resolução de conflitos decorrentes da incorporação imobiliária.
As soluções sugeridas ao longo do seminário envolvem a instituição de ombudsman, a arbitragem e outras formas de resolução extrajudicial que, a um só tempo, possam desafogar a Justiça do grande volume de processos e promover respostas mais efetivas e rápidas às partes.
O seminário teve o apoio da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e da Escola Nacional de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil (ENA/OAB).
Abertura e contextualização da crise do mercado imobiliário
Na abertura do evento, o vice-presidente do STJ, ministro Humberto Martins, afirmou que é chegado o momento de aproximar a sociedade civil e o Poder Judiciário para buscar soluções para os problemas que afetam as incorporações imobiliárias.
Segundo Martins, o seminário trouxe a oportunidade de debater a crise nesse mercado, que afeta igualmente os consumidores e as incorporadoras. Humberto Martins destacou que o momento é crítico tanto por causa da escassez de recursos decorrente do alto índice de desemprego quanto pelo receio dos investidores de alocarem recursos em incorporações e não conseguirem a venda adequada.
O ministro observou que, no contexto de crise, muitos problemas chegam ao Judiciário, onde frequentemente são proferidas decisões “muitas delas contraditórias, outras desarrazoadas”, o que aumenta a importância do STJ como instância de uniformização da jurisprudência.
“Como intérprete em última instância da norma infraconstitucional, cabe ao Superior Tribunal de Justiça julgar as demandas em tempo razoável, no exato sentido de unificar a jurisprudência no particular, dando maior estabilidade jurídica às relações contratuais então controvertidas”, ressaltou.
O presidente do Instituto Justiça e Cidadania, Tiago Salles, destacou a importância do seminário no fomento do diálogo entre a sociedade e o Judiciário. “O foco é a segurança jurídica e a diminuição das demandas judiciárias”, disse.
Painel sobre responsabilidade do construtor e burocracia excessiva
O primeiro painel foi presidido pelo ministro João Otávio de Noronha, corregedor nacional de Justiça. Segundo ele, o momento é extremamente delicado no Brasil. “É preciso que o setor imobiliário, que tem capilaridade enorme, se desenvolva num ambiente de segurança jurídica e confiabilidade”, afirmou.
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino abordou o tema “A responsabilidade civil do construtor no Código Civil”. Para ele, os casos que chegam ao STJ são sensíveis. Sanseverino relembrou julgados da corte e falou sobre a flexibilização de conceitos pela jurisprudência do STJ, como, por exemplo, a discussão a respeito da contagem de prazo para a indenização por defeitos na obra.
“A tendência é proteger os adquirentes dessas unidades habitacionais. As demandas de direito imobiliário são analisadas nessa perspectiva, porque tratam de questões extremamente sensíveis, envolvendo em última análise o próprio direito fundamental à moradia. Diante de todo esse quadro, o STJ e nossa jurisprudência têm procurado encontrar um ponto de equilíbrio entre os interesses das construtoras e dos adquirentes das unidades habitacionais”, concluiu o ministro.
O vice-presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi) do Rio de Janeiro, Rogério Chor, disse que o mercado imobiliário no Brasil é totalmente inviável com as regras e responsabilidades atuais. “O mercado imobiliário foi destruído ao longo dos últimos 15 anos pelo sistema e pela burocracia existentes em nosso país”, ressaltou.
Chor apresentou levantamento da situação das empresas de construção civil no Brasil. Segundo ele, nos últimos oito anos, a participação desse setor no Produto Interno Bruto caiu 8%. Mais de um milhão de postos de trabalho foram fechados entre 2014 e 2016. “Ou ocorre uma mudança radical no sistema como um todo, tanto na parte de legislação quanto na parte da burocracia, ou o mercado imobiliário não resiste”, afirmou.
Painel sobre distratos no mercado imobiliário
O segundo painel do seminário abordou os distratos no mercado imobiliário, seus impactos econômicos e de que forma as decisões judiciais vêm tratando desse tema.
O presidente da mesa, ministro Antonio Carlos Ferreira, abriu o ciclo de palestras falando sobre a importância dos precedentes judiciais para a sociedade e para o mercado. Segundo ele, as decisões judiciais indicam “modelo seguro de conduta” e têm repercussão direta na atividade econômica, pois acabam sinalizando para os agentes do mercado onde e como melhor alocar seus recursos.
“O mercado não é bom e não é mau, ele é racional. E a atividade empresarial evidentemente visa ao lucro, por isso a um cenário de incertezas, ou de insegurança jurídica correspondem medidas visando à redução das vulnerabilidades. Às vezes, a opção do empresário é deixar de operar, ou reduzir o seu volume de negócios, ou, pior ainda, considerar esse risco nos preços dos seus produtos”, afirmou o ministro.
Em seguida, o ministro Villas Bôas Cueva, primeiro palestrante, mencionou algumas decisões importantes do STJ que, segundo ele, geram “incentivos para a conduta daqueles que participam do complexo negócio jurídico que é a incorporação imobiliária”. Dentre essas decisões, o magistrado destacou o tema dos danos morais em caso de atraso na entrega do imóvel. Para a jurisprudência do STJ, nessas situações, a indenização não é automática, pois o dano moral não é presumido. “Não basta alegar o dano, é preciso provar, ver caso a caso”, explicou.
Em seguida, foram realizadas as apresentações do empresário João Paulo de Matos e o advogado Antonio Ricardo Correa, especialista em direito imobiliário.
João Paulo ressaltou que o mercado imobiliário passa por crise sem precedentes e a intenção das empresas do ramo não é lesar o consumidor. Ele entende que é necessário reduzir os distratos imotivados, em que a empresa não deu causa à rescisão. Os distratos trazem impacto para todas as categorias. A construtora tem prejuízo, os bancos perdem o interesse em investir no ramo e a sociedade sofre com as demissões de funcionários e a maior dificuldade para financiar a casa própria. “Para cada cem vendas, nós temos 40 distratos”, disse ele.
Por fim, Antonio Ricardo discorreu sobre a importância do cumprimento dos contratos e destacando a relevante atuação do STJ na construção de uma jurisprudência que fortaleça as relações de mercado e ao mesmo tempo proteja o consumidor.
Ambos pediram ao Judiciário penas mais duras para clientes que solicitam distratos sem causa e também a separação entre compradores que realmente têm dificuldades para quitar a dívida e aqueles que são meramente investidores e não estão com problemas financeiros.
Painel sobre perspectivas jurisprudenciais
O terceiro painel do seminário foi “Perspectivas jurisprudenciais da incorporação imobiliária”. O ministro Raul Araújo presidiu a mesa e fez o apanhado sobre a atual jurisprudência do STJ. Ele exemplificou como o tribunal tem dado suas decisões sobre os temas do setor.
O ministro Moura Ribeiro relembrou os entendimentos firmados no STJ sobre a taxa de assessoria técnico-imobiliária (Sati), falou sobre as decisões a respeito dos danos morais por atraso nas obras e discorreu sobre a hipótese de resolução de contrato. “O Judiciário precisa caminhar de mãos dadas com os princípios constitucionais”, afirmou.
A promotora de Justiça Alessandra Garcia Marques, presidente da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor (MPCON), falou do ponto de vista do consumidor. Segundo ela, tanto as empresas quanto o Judiciário têm de fazer a distinção entre consumidor e investidor. “Não podemos ter retrocessos na proteção ao consumidor”, afirmou.
A promotora Alessandra disse ainda que o discurso da crise que atinge o setor imobiliário remonta ao começo do século passado. “A solução para a crise que afeta o setor imobiliário deve ser pensada a partir de duas normas intransponíveis que estão na Constituição Federal: o direito fundamental à moradia e o direito fundamental ao direito do consumidor”, disse.
O desembargador Werson Rêgo, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), falou sobre a experiência daquela corte. Realizou pacto com o objetivo de oferecer mais segurança jurídica ao mercado imobiliário e evitar práticas abusivas previstas em cláusulas nos contratos de compra e venda de imóveis.
É possível a utilização de novas ideias para diminuir a quantidade de demandas judiciais. “A chave para o equilíbrio é a segurança jurídica. Zelar pela segurança jurídica é defender a cidadania”, ressaltou o desembargador Werson.
No encerramento do painel, o advogado Carlos Mário Velloso Filho defendeu que o STJ firme novo entendimento a respeito da devolução de valores na questão do distrato. Ele sugere que os valores só sejam restituídos ao comprador quando a incorporadora conseguir vender novamente a unidade devolvida. “Assim, o STJ estaria preservando o direito do consumidor que desistiu, além de assegurar a realização dos sonhos de toda a comunidade dos demais adquirentes”, concluiu.
Fonte: STJ, Assessoria de Imprensa, publicado em 21/6/2017.